Nota da Tradutora:
Antes de iniciarem a vossa leitura, quero deixar bem para que não exista possibilidade de ocorrerem equívocos, que ISTO É UMA TRADUÇÃO. A verdadeira autora de Luminosidade (Luminosity, no original) é Alicorn24 (link para o seu perfil e website disponíveis no meu perfil). Tenho a mui grande honra de possuir a sua autorização para publicar esta tradução do seu trabalho, contando que lhe atribua os créditos devidos, por isso não me venham a criar problemas dizendo que não o fiz.
Como a Alicorn adora feedback, comprometi-me também a traduzir para inglês os comentários que aqui fossem deixados, pelo que gostaria de pedir um favor a todos os leitores; se vão clicar no botãozinho, ao deixarem a vossa opinião, deixem-na como se estivessem a dirigir-se à autora, e não a mim. Caso saibam inglês suficiente, podem dirigir-se ao seu perfil e deixar os comentários na história original.
Opiniões relativas à qualidade da tradução e pedidos de "Update, rápido, omg!" são bem-vindos, mas tratem de me mandar tudo isso por mensagem privada em vez de pelo processo normal, para que não se criem confusões. Às PMs, eu responderei. Sobre os comentários, não posso dar garantias.
Luminosidade
Livro I
Não é necessário cometer uma centena de erros para que tudo se desintegre em teu redor.
Um basta.
Um risco errado, uma confiança mal colocada, uma escolha impensada, é o suficiente para destruir a coisa que te é mais insuportável perder.
Mas nunca me foi dado caso para imaginar que o meu desastre me atingiria quando me encontrasse mais inesperadamente segura.
Capítulo 1 – Forks
Eis como eu decidi ir viver com o meu pai em Washington.
As minhas três questões favoritas são "O que é que eu quero?", "O que é que eu tenho?", e "Como posso melhor usar essa última para conseguir a primeira?".Na verdade, também aprecio "Que tipo de pessoa sou eu?", mas essa não costuma ser directamente relevante para a tomada de decisões numa base diária.
O que é que eu queria? Eu queria que a minha mãe, Renée, fosse feliz. Ela era a pessoa mais importante para mim, barra ninguém. Eu também a queria ter por perto, mas se fosse a fazer uma avaliação honesta das minhas prioridades, era mais importante que ela fosse feliz. Se, implausivelmente, me visse forçada a escolher entre a Renée ser feliz em Marte, e a Renée a ser miserável a viver comigo, como ela sempre fizera – eu não me sentiria entusiasmada. De todo. Mas eu mandá-la-ia para Marte.
Marte não fazia parte do cenário, mas o horário de viagens do meu padrasto, Phil, fazia. Eu sou uma menor. Deixar menores por conta própria por um período alargado de tempo não é permitido. E assim, enquanto ele ia de cidade em cidade, Renée permanecia em casa, comigo.
Ela não estava feliz.
A Renée ama-me, mas ela também ama o Phil, ou não teria casado com ele (eu não lhe chamaria a pessoa mais auto-consciente do mundo, mas matrimónio é algo que ela leva muito a sério desde que se divorciou do meu pai. Ela foi cuidadosa desta vez.)
O que é que eu tinha?
Imensas coisas – mas a relevante era: outro progenitor.
E assim, para permitir que Renée seguisse Phil e fosse feliz, eu mudei-me para a cidade de Forks, Washington – para ficar, onde eu anteriormente só passara os meus verões.
É um voo significativo de Phoenix para Forks. Dois voos significativos e uma viagem de carro, para ser mais exacta. Recheei a minha bagagem de mão com livros para ler e blocos de notas para encher. Eu tinha criado o hábito de levar blocos de nota e canetas para todo o lado. Se colocasse os meus pensamentos em papel, eles não me poderiam escapar depois. Sem esse tipo de apoio, eles arriscavam-se a metamorfosear em versões mais idealizadas deles mesmos, mais consistentes – e que não eram o que haviam sido para começar, sendo, por conseguinte, falsas. Ou seriam esquecidos por completo, o que seria ainda pior (aqueles pensamentos eram meus, e eu queria-os).
Eu escrevia muito, sempre que algo remotamente fora do comum ou desafiador sucedia. Aproximadamente uma vez por semana, teclava tudo no computador de modo a ficar com um arquivo que me facilitasse a pesquisa. Originalmente, via-me forçada a anotar tudo o que me ocorria, de maneira a ter mais ou menos a certeza de que não me enganava mais do que o estritamente necessário; após alguns anos de prática, passei a confiar em mim para recordar os meus verdadeiros pensamentos, e não as versões ficcionalizadas que o meu cérebro preferia apresentar-me.
Pela altura em que me mudei para Forks, os blocos de notas eram mais como objectos de conforto, que habitualmente utilizava para coisas que poderia precisar de referir, que eram demasiado vitais para que as deixasse à minha memória.
O meu pai, Charlie, encontrou-me à saída do meu segundo avião em Port Angeles, abraçou-me com um braço, e ajudou-me a transportar a minha bagagem para o seu carro de serviço. Mal acabei de apertar o cinto, de acordo com a lei à qual seria demasiado irónico não obedecer dentro do carro de um polícia, Charlie iniciou o percurso até a sua casa – e minha também, supus. Ele dissera-me que descobrira um bom carro para mim, um carro barato.
Eu quisera um carro. Não apenas ter um carro – eu não dava grande importância a carros enquanto objectos – mas ter mobilidade autónoma dentro da cidade, e evitar estar dependente de Charlie para boleias, visto que ele a) tinha outras coisas para fazer com o seu tempo, e b) conduzia um veículo conspícuo. Que ele tivesse encontrado um para mim era um sinal de atenção, confiança, e generosidade espontânea: ele sabia o que eu queria, julgava-me suficientemente responsável para o ter, e oferecera-mo sem ter qualquer obrigação social de o fazer. Ele parecia ligeiramente embaraçado; eu aliviei a estranheza entre nós inquirindo em relação ao carro e providenciando assim um tópico concreto.
Ele já me comprara o carro, que era na realidade uma carrinha Chevy, como presente de boas-vindas – o que era bom se o carro fosse adequado, pois poupar-me-ia o dinheiro, e mau se não o fosse, pois a sua natureza de prenda tornava-o difícil de substituir. Eu queria gostar do carro. Este pertencera ao amigo dele, Billy Black, que recentemente se tornara paraplégico e já não se encontrava em condições de o guiar. Se ele tinha uma razão para se livrar dele, isso reduzia a probabilidade de se tratar de uma chaleira decrépita, o que era vantajoso, tendo em conta que eu não sabia fosse o que fosse acerca de mexer nas entranhas de um motor. Embora Charlie me tivesse admitido, depois de alguma pequena pressão, que a carrinha era velha. Muito velha.
Charlie é uma pessoa sossegada. Assim que a nossa conversa sobre o carro chegou ao fim, comentámos que o tempo estava húmido e cessámos de falar. Eu observei, silenciosamente, que as características húmidas da área por acaso haviam dado origem a uma muito bonita paisagem verdejante. Gostei disso, embora os pré-requisitos molhados não fossem tanto do meu agrado. Decidi que seria útil desenvolver um paladar por climas chuvosos, e puxei para fora o meu bloco de notas do dia para escrevinhar que caso visse uma forma de conseguir isso, o deveria fazer.
Chegámos a casa dele. A carrinha era uma coisa vermelha e sólida, que achei estranhamente apelativa. Anotei que deveria dedicar a isso algum pensamento – eu não teria adivinhado a partir de uma descrição que teria engraçado com ela, o que queria dizer que havia algo que eu ignorava sobre o meu sentido estético – e de seguida levei-a numa viagem experimental à volta do quarteirão. Ela avançou, ruidosamente, mas o rádio funcionava e estava apto a afogar os ruídos do motor.
Quando estacionei, Charlie já levara a minha bagagem escadas acima e para o meu quarto. Informei-o de que adorava o carro, e ele manteve-se fora do caminho enquanto eu desempacotava. Assim que armazenei o conteúdo da minha toilette na única casa de banho da casa, a minha prioridade seguinte foi a de ligar o meu portátil e enviar a Renée um e-mail, dando-lhe a saber que chegara sem problemas, palrando sobre o tempo que fazia, a boa saúde de Charlie, a minha nova (velha) carrinha, e os meus sentimentos mistos acerca da escola na qual ingressaria no dia seguinte, a meio de Janeiro, de entre todas as alturas.
Eu não tinha de ser muito detalhada na minha nota para Renée, mas o meio-ano de escola que se avizinhava era suficientemente significante para merecer uma boa dose de texto. Para fora veio o bloco de notas. Escrevi sem me deter nas palavras e sem procurar editar. Se eu decidisse que o que o saíra do meu cérebro era demasiado terrível para ser preservado, podia sempre queimar a página – depois de ter visto por mim mesma o que se encontrava escrito nela.
Eu estava acostumada a uma escola enorme, com os recursos que eram privilégio dos distritos densamente populados. Eu estava acostumada a poder desaparecer num mar de gente. Eu não estava acostumada a Forks e à sua população estudantil de trezentos e cinquenta e oito, contando comigo. Eu ia entrar a meio do ano. Toda a gente já conhecia toda a gente – mais, toda a gente conhecia toda a gente desde a primeira infância. Forks era uma daquelas cidades onde poucas pessoas partiam e quase ninguém aparecia. Eu nascera ali e passara o ocasional mês de verão ali, mas Chalie não vivia perto de nenhuma família com filhos da minha idade, e eu certamente nunca fora à escola na cidade. Eu era somente meio nativa, e não saberia reconhecer nenhum dos meus colegas de turma.
Cidades assim tão pequenas eram também o habitat natural de coscuvilhice. Se Charlie mencionara a qualquer um dos seus amigos ou colegas da polícia que a sua filha viera para ficar de vez, toda a gente em Forks que não fosse demasiado jovem para ter adquirido linguagem já era parcial a essa informação. Eu não podia desaparecer: todos saberiam quem eu era por processo de eliminação, ainda que a minha similaridade ao meu pai não lhes desse uma pista.
A minha novidade iria provavelmente trazer-me alguma atenção e interesse, no entanto. Se eu me preparasse para esse facto, e agisse amigavelmente e com uma atitude entusiasmada por ali estar em vez de assumir uma atitude auto-consciente e introvertida, provavelmente sucederia em fazer alguns amigos no primeiro dia, e teria a ajuda deles para navegar na escola. Resolvi, na viagem de carro, mentalizar-me de que tiraria o máximo de partido das oportunidades que me fossem apresentadas; amigos num sítio desconhecido era bom. Ponto.
Chovia muito, em Forks. Por volta da meia noite, esta aquietou até se tornar num leve chuviscar, e eu fui capaz de adormecer; de manhã, reduzira-se a um nevoeiro grosso. Seleccionei algumas roupas, boas mas não incaracterísticas – para criar nos meus colegas de turma uma boa impressão que não seria debilitada pelo meu próximo traje – e desci para tomar o pequeno-almoço. Não havia motivo para Charlie falar enquanto comíamos os nossos cereais, pelo que ele não o fez.
Tornei a familiarizar-me com a casa. Tinham-se passado meses desde a minha última visita, mas praticamente nada mudara. Na verdade, praticamente nada mudara desde que a minha mãe abandonara o lugar, com a bebé eu ao colo: os armários da cozinha ainda ostentavam o mesmo tom amarelo solarengo no qual ela os pintara, por exemplo. Eu nunca tivera a temeridade de perguntar a Charlie se ele apenas detestava redecorar, ou se ainda não ultrapassara a perda de Renée. Apostava mais nessa última. As fotografias no mostruário incluíam uma fotografia de casamento, e de ambos os meus pais na sala de parto logo a seguir ao meu nascimento. A última eu conseguia explicar da mesma forma que explicava a procissão das minhas fotografias de escola em perfeita ordem cronológica, mas a primeira já não.
Não estava certa de ser possível chegar ao liceu tão depressa como a distância sugeria que deveria. Havia nevoeiro por todo o lado, e eu nunca conduzira por Forks antes, apenas dentro e em redor de Phoenix, pelo que não possuía uma boa noção da qualidade da estrada. Vesti o meu impermeável por cima da minha mochila mal terminei o pequeno-almoço, e saí cedo. Corri da porta de casa para a frente seca da minha carrinha o mais rápido que as minhas pernas me levaram, e fui ruidosamente rua abaixo.
A escola não se assemelhava muito a uma escola. Tratava-se de um grupo de prédios de tijolo aglomerados à beira da estrada principal entre árvores e arbustos, ligados por caminhos de pedra. (Considerei uma falha de design que os caminhos não se encontrassem cobertos, e senti-me contente pelo meu casaco.) Estacionei em frente ao primeiro edifício que vi, que estava convenientemente identificado como sendo a Secretaria. Não havia outros carros ali, nem os pertencentes aos funcionários que eu esperava aparecerem cedo, e assim teria provavelmente de me deslocar a algum sítio obscurecido pela névoa noutra parte do campus, mas quem quer que estivesse de serviço ali seria capaz de me direccionar até lá.
O escritório era um magote de cores horroroso – plantas verdes envasadas, uma carpete laranja e cinzenta repulsiva, e, atrás do balcão de uma das três secretárias, uma mulher ruiva vestida de roxo.
Encaminhei-me para o balcão, encorajei o meu rosto a sorrir, e comecei:
- Desculpe, sou a Isabella Swan. Eu… - A face dela iluminou-se quando ouviu o meu nome, e ela interrompeu-me.
- É claro! Tenho o teu horário aqui mesmo, e um mapa da escola. – Ela retirou-os de dentro de uma alta, desordenada, pilha de papéis. Far-me-ia menos que bem deixar que a terceira frase que eu dirigisse à mulher fosse uma reclamação pela interrupção, e faria ainda pior em fumegar sobre a ocorrência sem tomar medidas para prevenir que esta se repetisse. Eu não gostava de ser interrompida quando tentava comunicar, e por muito que atacasse esse meu botão vermelho, não havia remédio; ser interrompida irritava-me, de todas as vezes que acontecia. Porém, com um pouco de trabalho, eu conseguia tornar essa irritação breve.
Enquanto a secretária assinalava no mapa, com marcador, todas as rotas que eu necessitaria de seguir para cumprir o meu horário, recorri ao meu mecanismo de controlo de temperamento. Algumas pessoas contavam até dez, mas isso só tornava explícita a natural diminuição de intensidade das emoções através do tempo, e obrigava a um período de espera. O meu método era mais demorado, mesmo após ter aprimorado o processo de um passatempo consumidor de blocos de notas para um processo mental linear. Todavia, quando o concluí, a minha irritação desaparecera.
A sua versão curta consistia só em comentar tudo o que eu sabia acerca da minha irritação, e confirmar para mim mesma que eu o sabia. Eu sabia que a mulher não a causara com intentos maliciosos: ela não me conhecia, não sabia que interrupções me irritavam, não tinha motivações para tentar irritar-me, e estava de momento a ser supremamente prestável.
Eu sabia que não me faria bem estar irritada: a emoção não era aprazível, e não aumentava a minha eficiência em alcançar os meus objectivos, e eu não preferia estar irritada quando me interrompiam. (Não era que eu tivesse um desejo geral de nunca estar irritada. Tê-lo-ia considerado apropriado se ela me tivesse empurrado por razão nenhuma, ou se estivesse a fazer uma chamada telefónica pessoal quando eu entrara. Mas no passado eu tentara, repetidamente, eliminar o meu desagrado por interrupções, e que eu o tivesse tentado evitar antes não era consistente com desejar estar irritada com esta não-tão-especial interrupção em particular.)
Uma longa prática em extirpar precisamente esse género de reacção fez com que esta se desvanecesse mais facilmente do que sucederia com outros dos meus humores. Mas o que me irritava era a atribuição à secretária de uma motivação para me irritar, fixada no lugar com sobranceria e hábito. Se a motivação fosse reconhecida como sendo inexistente, e a sobranceira dissolvida e o hábito combatido como algo que o meu cérebro não prezava, tudo isso cessaria de me perturbar.
A senhora deu-se por terminada com o marcador e devolveu-me o meu mapa e horário. Ela expressou esperanças de que eu viesse a gostar de Forks, e indicou-me o caminho para o parque de estacionamento correcto; eu agradeci-lhe sinceramente e segui caminho.
A minha envelhecida carrinha não se destacava tanto como teria se eu a tivesse conduzido para a escola em Phoenix. Com excepção de um conspicuamente brilhante Volvo, os carros no parque de estacionamento (que enchera um pouco pela altura que cheguei) eram modelos antigos. Estacionei, guardei as chaves, e descobri a minha localização no mapa. Daí, segui o percurso da linha nele marcada até ao edifício três, e saltei da carrinha para me misturar com o enxame de adolescentes.
A minha primeira aula era de Inglês. Tudo na lista de leitura era algo que eu já lera para a escola. Provavelmente ser-me-ia possível actualizar alguns ensaios velhos e gastar o meu tempo de leitura noutra tarefa qualquer. Não me foi dada oportunidade de me introduzir a ninguém antes do começo da sala. Por sorte, após o soar da campainha que a findou, o rapaz de cabelo escuro que se sentara ao meu lado inclinou-se para mim.
- És a Isabella Swan, não és? – perguntou. Todas as cabeças na nossa região da sala de aula voltaram-se, o que tendo em conta que eu precisava de corrigir a minha denominação, até era pelo melhor.
- Sim – disse eu – mas eu prefiro "Bella". Quem és tu?
- Sou o Eric – respondeu ele, soando bastante amigável. – Onde é a tua próxima aula?
Eu verifiquei.
- Edifício seis. Estudos Governamentais.
- Eu podia mostrar-te como chegar lá. Vou para o quatro, não é tão longe assim – ofereceu ele. Sorri-lhe e acenei, e fomos buscar os nossos casacos aos ganchos junto da porta. Eric marcou o passo ao longo do caminho repleto de gente, e perguntou: - Então, isto é muito diferente de Phoenix, não é?
- Muito – concordei. Era excelente que eu já soubesse o nome de alguém, e que esse alguém parecesse prestável, mas na minha opinião, não haveria muito tempo para uma discussão completa de Phoenix vs Forks entre os edifícios três e quatro.
- Não chove muito por lá, chove?
- Só três ou quatro vezes por ano – repliquei.
- Wow, imagino como isso será – matutou ele. Adivinhei que se ele nunca saíra de Forks, não seria óbvio, um pouco como eu só conhecia neve através da emissão televisiva dos Jogos Olímpicos de Inverno.
- Seco, claro – contei-lhe – menos vegetação, mais xeroscaping, menos impermeáveis, mais óculos de sol.
Ele olhou-me como se o termo xeroscaping o tivesse confundido – não estávamos exactamente num sítio famoso pelos seus jardins rochosos e cactos – mas disse apenas "Tu não pareces muito morena."
- Cancro de pele não faz parte dos meus hobbies – repliquei, com um meio-sorriso. Aquilo tinha meio que vindo do nada, mas assim que saísse da chuva, eu fazia tenções de o acrescentar à minha lista de modos de aprender a estimar o clima de Forks: risco reduzido de uma horrível morte por tumor. Eu não era mesmo nada adepta da ideia de morrer, pelo que cortar com o que o poderia causar era um bónus. Se eu de alguma forma conseguisse eliminar todos os riscos, seria imortal. Eric sorriu fracamente, como se estivesse a fingir que percebera a piada, e acompanhou-me até à porta do edifício seis.
- Bem – disse ele, enquanto eu empurrava a porta – boa sorte. Talvez tenhamos outras aulas juntos.
Ele dirigiu-me um sorriso esperançado.
A aula de Estudos Governativos foi seguida pela de Trigonometria e a de Espanhol. A de Trigonometria foi digna de nota pelo pedido do professor para que eu me apresentasse à turma inteira. Deveria ter estado à espera de algo assim, mas apanhou-me de surpresa e tive de gaguejar o meu curso através de alguns factos básicos – o meu nome, a minha alcunha preferida, que eu era de Phoenix, e que eu "Vou sentar-me agora, pode ser naquela cadeira?". Sentei-me, fiz surgir o meu bloco de notas, e escrevi "curar medo de ser obrigada a falar em público inesperadamente" na minha lista de coisas a fazer, logo depois de "Aprender a gostar da chuva (cancro é mau!)"
Em Trigonometria, travei conhecimento com uma rapariga chamada Jessica Stanley. Ela era pequena, com inumeráveis caracóis pretos e um tagarelar imparável. Acompanhou-me à aula de Espanhol, que tínhamos juntas, após o que me convidou para me sentar com ela e o seu grupo de amigos ao almoço. Fui com ela, ainda que Eric me tenha notado na cafetaria e acenado. Nesse ponto, já tinha sido apresentada a tantas pessoas que estava a ficar com falta de lugares vagos na minha memória para nomes novos, e era complicado manter-me a par de com quem estava sentada, por muito aprazíveis e dignos de recordação que me parecessem. Eu queria anotar os nomes e descrições de todos eles. Contive-me: tinha-me curado desse particular impulso hipergráfico quando uma colega minha no oitavo ano espreitara sobre o meu ombro, ficado confundida com a minha descrição dela, e atirado o bloco de notas para dentro de uma das poças do lavatório.
Toda a gente desejava saber como é que eu achava Forks. Eu contei-lhes, honestamente, que era bom para ter mais tempo com o meu pai, que a chuva era algo a que levaria tempo para me habituar, e que todas as pessoas que eu conhecera eram muito prestativas e gentis. Essa constatação satisfê-los, especialmente a parte em que o comentário da chuva lhes dava uma aberta para discutir o tópico mais comum à face da terra. Enquanto Jessica e vários dos outros sentados à mesa trocavam fragmentos semi-recordados de conhecimentos meteorológicos pouco fiáveis, eu examinei a divisão onde passaria a almoçar durante os próximos meses. Foi então que os vi.
"Eles" eram em simultâneo completamente diferentes uns dos outros e obviamente um grupo. Estavam todos sentados a uma mesa, mas nem um par deles pareciam similhares. Eram três rapazes e duas raparigas. Um dos rapazes tinha o tamanho, formato e ameaça de um urso; ele dava a impressão de estar a planear entrar na universidade com uma bolsa de levantamento de peso, ou de ter feito isso mesmo há anos atrás e estar sentado na cafetaria de um liceu só pelo gozo. Os seus caracóis escuros contrastavam com o cabelo cor de mel do seu vizinho, um rapaz alto, musculado, e vagamente leonino.
O último dos rapazes era magro e aparentava ser mais novo que os outros dois, parecendo-se mais como um verdadeiro estudante de liceu que com um atleta profissional. O seu cabelo era cor de bronze à luz, e castanho avermelhado na sombra. As duas raparigas tinham aspectos tão opostos como era possível ter-se e continuar a ser branca, fêmea, e com um corpo funcional.
A mais alta poderia ter passado por uma estátua de Afrodite, com folha de ouro a cobrir o seu longo, elaboradamente penteado cabelo. Ela faria carreira em Hollywood, ou talvez Paris – ela dar-se-ia bem onde quer que ser decorativa constituísse um requisito para emprego. A outra rapariga era mais pequena e mais magrinha que Jessica. O seu cabelo preto era curto, espetando-se da sua cabeça em todas as direcções, e conferia-lhe a aparência de um duende.
Mas postas de parte as variações em tamanho e cor do cabelo, eles eram todos parecidos. Eram pálidos, mais pálidos do que eu, pálidos como mármore ou gelo – todos no mesmo tom. E os seus rostos eram idênticos. Tive a impressão momentânea de que haviam sido desenhados por um cartoonista que só sabia esboçar um único tipo de face, mas isso era incorrecto: eles poderiam ser reconhecidos só pelas suas caras, embora dificilmente. Não por possuírem algo que registasse como parecenças de família - eles não o tinham – e sim porque a coisa mais fácil de se pensar ao olhar cada uma daquelas cinco faces seria algo na linha de "Bonito!". Isso ensombrava o carácter individual das suas feições ( um queixo pontiagudo na duende, algumas cicatrizes apagadas no leão). Eles eram chocantes, ao ponto de me ter exigido um novo olhar para notar que cada um deles tinha círculos negros sob os olhos, como se estivessem todos muito cansados.
A duende levantou-se e moveu-se como uma ginasta até ao caixote do lixo, onde largou um refrigerante por abrir e uma igualmente intocada maçã. Agora que me ocorria reparar nisso, nenhum dos cinco estava a comer. A conversa sobre o clima entre os meus companheiros de mesa abrandou, e eu aproveitei a oportunidade para perguntar:
- Quem são eles? – Jessica olhou para onde eu estava a olhar, e o rapaz que parecia o mais novo do grupo estabeleceu contacto visual com ela, só por um momento – aí, os seus olhos negros passaram para mim, e de mim regressaram à observação de nada em particular. Jessica soltou uma gargalhadinha embaraçada.
- Aqueles são o Edward e o Emmett Cullen, e a Rosalie e o Jasper Hale. Aquela que saiu era a Alice Cullen; eles vivem todos juntos com o Dr. Cullen e a sua esposa.
O mais novo dos rapazes estava a desintegrar um pãozinho enquanto ela falava, fazendo-o em bocadinhos. Eu não vira nenhum deles ir a caminho da sua boca.
- Quais deles disseste que eram os Cullen? – quis saber, tentada a tecer um comentário acerca do "Bonito!", mas impedida de o fazer pela impressão de que isso seria rude. – Eles não parecem família.
- Oh, eles não são – informou-me Jessica. – O Dr. Cullen é muito jovem, está nos seus vinte ou trinta anos. Foram todos adoptados. Os Hale, os loiros, são irmãos gémeos. E eles estão todos juntos – Emmett e Rosalie e Jasper e Alice, quero dizer.
- Adoptados? Que idade têm?
- O Jasper e a Rosalie têm ambos dezoito – disse Jessica – mas têm estado com a Sra. Cullen desde os seus oito anos. Ela é tia deles, ou algo assim.
- Isso é simpático da parte do Dr. e da Sra. Cullen, aceitar responsabilidade por eles – observei.
- Suponho que sim – disse ela, mas soava desaprovadora, como se o doutor e a sua mulher não lhe importassem. – Penso que a Sra. Cullen não pode ter filhos – continuou. Eu anotei, só mentalmente, que Jessica não era, até futuras provas serem acumuladas, uma pessoa a quem confiar informações pessoais que eu quisesse transmitir a alguém. Continuei a roubar relances da encantadora família; era difícil não o fazer, ainda que tudo o que eles fizessem se resumisse a olhar para as paredes, mutilar comida sem a ingerir, e estar sentados.
- Eles sempre viveram aqui? – inquiri, esperando que a resposta fosse afirmativa simplesmente porque toda a gente em Forks sempre vivera em Forks, mas estas pessoas, se as tivesse notado, tê-las-ia recordado, e Forks era uma cidade tão pequena…
- Não – respondeu Jessica, soando como se esperasse que os Cullen e Hale aparentassem não ser de Forks até para um recém-chegado. – Eles mudaram-se para cá há dois anos, do Alasca.
Numa cidade, dois anos de residência já não equivalia a "recém-chegado", mas em Forks sim – querendo dizer que eu não era a única. Isso confortava-me, de certa forma; a atenção que eu atraía era útil, mas não tinha razões para crer que mais alguém se mudasse para Forks até à minha formatura, e seria conveniente não ter de sofrer sozinha todo o escrutínio que a minha novidade ali acarretava. E era perturbante, de certa maneira, pois eles estavam sentados um com os outros e com mais ninguém, e Jessica, que parecia uma estudante bastante típica, não se importava com a família. Isso não era um bom augúrio para a minha eventual integração, embora até ali a minha recepção tivesse sido favorável. Talvez fosse a escolha dos próprios Cullen e Hale manterem-se afastados, e era só isso que eu estava a ver.
Olhei novamente para a mesa deles, e o rapaz mais novo olhou para mim uma vez mais. Ele era tão bonito que distraía, mas até onde eu podia ver, apesar disso, ele parecia…expectante? Frustrado, talvez? Como se esperasse que ocorresse algo que não estava a acontecer?
- Qual deles – perguntei a Jessica, retirando os meus olhos dele e estabelecendo um educado contacto visual com ela – é o rapaz com o cabelo castanho-avermelhado?
- Aquele é o Edward – informou-me, e agora eu possuía identificações para todos os cinco: Emmett o urso, Jasper o leão, Rosalie a Afrodite, Alice a duende, e Edward, o tal que esperava que algo que não estava a acontecer fosse suceder comigo ou perto de mim. – Ele é lindo, claro – prosseguiu Jessica – mas não percas o teu tempo. Ele não namora. Aparentemente, nenhuma das raparigas daqui é suficientemente atraente para ele. – Ela emitiu um barulho fungado, e eu conjurei uma imagem mental dela a atirar-se a ele, só para receber uma cortês mas firme rejeição.
A imagem era divertida, de certa forma, mas triste, e assim sendo, mordisquei o meu lábio para evitar sorrir. Depois tornei a fitar Edward; os meus olhos vaguearam até ele naturalmente, como se ele fosse um objecto vermelho-brilhante num fundo cinzento, ou o único item em movimento num campo visual imóvel. Se eu não estivesse a falar com Jessica, teria puxado para fora o meu bloco de notas e acrescentado, na minha lista de afazeres, "Aprender a deixar de me fixar em pessoas bonitas".
Ele já não estava a olhar na minha direcção, porém. Alguns minutos depois, os quatro deles que haviam permanecido sentados desde a partida da Alice-a-Duende levantaram-se e saíram. Até Emmett-o-Urso era coordenado e preciso ao mover-se; assistir ao grupo a caminhar em conjunto era irreal. Arrisquei-me a atrasar-me para a minha aula seguinte, Biologia II, de forma a poder ficar um pouco mais com Jessica e os seus amigos, escutar os seus nomes mais algumas vezes e, eventualmente, conseguir que Angela, que foi simpática em recordar-me do seu nome durante a caminhada, me guiasse ao edifício correcto após descobrir que teríamos aula juntas.
A aula era dada numa sala dominada por mesas de laboratório de tampo negro para duas pessoas, como as de todas as salas de ciências. Infelizmente para mim, Angela já tinha uma colega de mesa. Havia, todavia, um aluno sem parceiro, na direcção de quem o professor me encaminhou. Sentado ao lado do lugar vago que seria o meu lar em Biologia pelo resto do ano escolar, estava Edward Cullen.
Eu dirigi-me à cadeira vazia. Aquilo ia ser constrangedor até eu curar a minha tendência para me fixar nele a cada quinze segundos. Rezei para que o tema da aula fosse algo novo e não familiar, que me distraísse. Quando me aproximei, ele olhou-me. Não com um olhar expectante e desnorteado, como os que me mandara na cafetaria. Ele parecia enfurecido, e ele parecia-o para comigo.
Afastei-me automaticamente do olhar ameaçador e tropecei, de pronto, em cima de um livro. Segurando-me por pouco à minha nova mesa, recuperei o pé e sentei-me no meu lugar. Sentia-me aterrorizada – pessoas enfurecidas eram perigosas, podiam magoar-me, e eu não tinha uma só pista do que o provocara, ou de como poderia parar de o provocar para que ele se acalmasse e não resolvesse ferir-me ou atacar-me. Havia dezoito alunos na sala connosco, mais o professor – com certeza que se Jessica não me mencionara nenhum rumor de escândalos violentos, ele era ao menos controlado que bastasse para evitar explodir em frente de numerosas testemunhas. Até descobrir o que havia de errado com ele, eu só precisava de andar em grupos quando ele estivesse por perto, era tudo. Tentei controlar os meus estremecimentos e ajeitei-me no meu assento.
A aula foi sobre anatomia celular. Eu já cobrira essa matéria, e o estilo de ensino do professor não era absorvente ao ponto de capturar a minha atenção quando havia uma atemorizadora distracção mesmo à minha esquerda. Edward não me olhara daquela maneira na cafetaria, e mais ninguém estava a reagir a mim da mesma forma. Eu nem lhe dirigira palavra – podia ser que ele estivesse ofendido por ainda não me ter apresentado? Seria aquele um esquema para me chamar a atenção para o facto de que não o fizera? Será que eu tinha um cheiro estranho? Inclinei a cabeça para trazer uma madeixa de cabelo para junto do meu nariz; este cheirava a champô, meio frutado, suficientemente limpo. Seria ele alérgico a aroma de morango artificial?
Espreitei-o, em busca de mais pistas. Ele assumira uma postura absolutamente rígida – se respirava, não o dava a entender – e visto de perto, sem os seus irmãos mais velhos ao lado, ele já não parecia de todo tão jovem e diminuído. Ele fuzilou-me com o olhar outra vez, os seus olhos negros cheios de ódio puro e inadulterado. Puxei a cadeira uns centímetros para o lado. Se ele me pudesse desintegrar nos meus átomos constituintes com um olhar, tê-lo-ia feito. Resolvi que iria tentar mudar de aula, ou pelo menos de parceiro de laboratório. Contemplei a rapariga que partilhava a mesa com Angela, e ponderei se esta aceitaria um suborno para ter Edward Cullen como novo vizinho.
Ou seriam os parceiros fixos? Teria eu de convencer o professor? Deveria começar a pensar em oferecer-me para limpar provetas?
A campainha tocou e eu quase saltei para fora da minha pele. Só queria correr para casa com o meu bloco de notas e colocar em papel o medo e a confusão, e fazer com que o meu pescoço parasse de picar. Edward pôs-se de pé, não me encarando – ele era alto! – e saiu da sala antes de mim. Permaneci onde estava por um momento. Queria recuperar-me, e queria dar-lhe um bom avanço sobre mim para chegar ao qualquer lugar afastado da minha pessoa ao qual ele se encaminhava. Respirei fundo, segurei o ar por um instante, e deixei-o escapar. Procurei recorrer à minha rotina de controlo emocional, mas não tinha ao meu dispor informação suficiente para acreditar que eu não deveria estar com medo. Era provável que não houvesse um perigo genuíno, mas podia haver, e uma parte do meu cérebro agarrava-se ao medo, para o caso de este ser um importante motivador numa eventual fuga-perseguição a alta velocidade através do pátio. Assombrada eu permaneceria, até que, de um ou doutro modo, o perigo fosse nulo.
- És a Isabella Swan? – perguntou uma voz masculina.
Olhei para cima. O meu interlocutor era maravilhosamente não ameaçador, até onde eu era capaz de o afirmar (fantástico, pensei, agora vou começar a suspeitar que todos os meus colegas de turma são maluquinhos do machado? Este rapaz não é nem mais nem menos passível de me atacar do que seria se eu o tivesse conhecido esta manhã, em Estudos Governamentais, e nessa altura eu sentia-me segura e estava certa em sentir-me assim. Por isso, devia sentir-me segura com ele. As minhas emoções obedeceram, de mau grado, a essa lógica.). O meu interlocutor era um rapaz maravilhosamente não ameaçador, giro, loiro, com o cabelo afogado em gel e disposto em pequenas linhas de picos. Ele sorria-me, amigavelmente, não como se estivesse enfurecido e cheio de desprezo.
- Sim – disse eu, pela décima vez naquele dia – mas prefiro Bella. – Sorri-lhe de volta.
- Sou o Mike – disse ele.
- Olá, Mike. Prazer em conhecer-te.
- Precisas de ajuda para encontrar a tua aula seguinte? – quis ele saber, ansiosamente.
- É Educação Física – repliquei, acenando e levantando-me com uma pequena ajuda da mesa.
- Essa também é a minha aula seguinte! – ele parecia entusiasmado com isso, facilmente alegrado pela minúscula coincidência. Eu tentei aumentar o seu contentamento e animar-me também. Mike tagarelou durante todo o caminho até ao ginásio, o que estava bem para mim. Aparentemente, ele vivera na Califórnia até aos dez anos, e considerava isso uma justificação para comiserar comigo em relação à carência solar local. Ele notara-me em Inglês, mas não tivera possibilidade de se apresentar porque Eric o fizera primeiro. O meu papel relaxado de ouvinte das amabilidades de Mike conheceu um fim abrupto quando entrámos no ginásio e ele comentou "Então, esfaqueaste o Edward Cullen com um lápis, ou quê? Nunca o vi agir daquela maneira.".
- Eu não faço a mais pequena ideia do que o possa ter provocado – disse eu, procurando soar categórica, mas não como se estivesse a ser instigada por um advogado. – Nunca lhe dirigi a palavra.
- Ele é um tipo estanho – contou-me Mike, ficando comigo em vez de seguir para o balneário dos rapazes. – Se eu tivesse a sorte de me sentar ao teu lado, eu teria falado contigo.
A atmosfera da conversa era boa, mas a palavra "sorte" fez soar um sino de alarme. Não me faria bem envolver-me com alguém de uma maneira mais que amigável imediatamente após me mudar para Forks. Sorri para Mike, e andei para o balneário das raparigas. A professora de Educação Física desencantou um uniforme para mim, mas não me fez participar nas actividades – voleibol – uma boa coisa, visto que eu me magoava com muita facilidade e não tinha vontade de andar por aí a semana inteira com os antebraços cheios de nódoas negras e azuis. Ou, quase tão provável, tendo em conta a minha espécie de graciosidade, bater contra um dos postes que seguravam a rede e acabar caída no chão, a sangrar.
Assim que Educação Física terminou, considerei o dia como findado. Assegurei-me de que conseguira ter todos os meus bocadinhos de papel assinados pelos professores relevantes, e fui até à Secretaria para os entregar. No exterior fazia frio, e eu apressei-me a entrar no colorido edifício. A porta fechou-se nas minhas costas antes de eu me aperceber de que em adição à secretária que conhecera nessa manhã, o escritório também continha Edward Cullen.
A minha sorte foi que ele não notara, ou ignorava, a minha entrada; movi-me para junto da parede, aguardando que ele concluísse os seus assuntos com a recepcionista. Pareciam estar a ter uma discussão. Algumas frases depois, dei-me conta que ele estava a tentar que ela o movesse da nossa aula de Biologia para outra disciplina, qualquer outra disciplina. Ele tinha uma voz estranhamente suave – perguntei-me se ele falaria sempre assim, ou se apenas procurava melhor convencer a secretária através de um aumento no volume do charme. Perguntei-me, impensadamente, se ele cantava.
Dado o timing e a avaliação de Mike do comportamento hostil de Edward, parecia-me impossível que aquela tentativa de transferência não tivesse algo a ver comigo. Mas, e daí – o que é que eu queria? Eu queria nunca tornar a ser olhada daquela maneira. Bom para ele se queria outra disciplina, e que lhe fizesse muito proveito. A porta abriu-se uma vez mais, permitindo a entrada de uma corrente de ar gelado no escritório. Uma rapariga entrou, largou uma nota no cesto de vime sobre o balcão, e voltou a sair.
Enquanto a porta se fechava atrás dela, Edward girou lentamente e fitou-me com olhos odientos.
- Esqueça – disse ele, curtamente, à recepcionista. – Estou a ver que não há maneira. Obrigado pela sua ajuda. – E aí ele desapareceu porta fora, no frio.
- Que tal te correu o teu primeiro dia, querida? – inquiriu a recepcionista, atenciosamente. Ela não dera pela expressão de Edward, e pelos vistos também lhe passava ao lado que eu estava a tremer nas minhas botas. Considerei mentir, considerei contar-lhe a verdade completa, e finalmente, disse:
- Eu conheci um monte de gente simpática.
Matei o tempo no escritório após entregar a minha papelada, sob a desculpa de apertar os meus atacadores. Se Edward queria tanto evitar-me, eu não lhe ia dar problemas. Pela altura em que cheguei à minha carrinha, o parque de estacionamento já se encontrava quase deserto. Conduzi até casa, ressentida e confusa. Assim que eu terminasse com ele, o meu bloco de notas iria lamentar o dia em que as suas árvores componentes haviam criado rebentos.
"Coisas Boas,"escrevi. "Eric, Jessica, Angela, os outros amigos da Jessica e Mike são todos amigáveis. Matéria parece fácil (poss. Excepção trig (trabalhar com Jessica? (será que ela presta para alguma coisa a matemática?)), excepção definitiva E.F. (partir um dedo do pé, ou algo assim? Procurar as regras de comparência (cortar tantos dias maus quanto possível) verificar hipóteses de preenchimento alternativo dos requisitos (esta é uma daquelas escolas onde se pode só escrever um ensaio sobre a história do futebol?)))." "Coisas a Resolver," dizia a secção seguinte. "Qual é o PROBLEMA do Edward? Ver Excepções re: material acima. Jessica possivelmente não confiável c/ informação pessoal. Mike demasiado amigável, demasiado cedo."
Olhei para a primeira Coisa a Resolver. Olhei para ela um pouco mais. Estava sem ideias. O meu cérebro gerava hipóteses, mas nenhuma delas era tão plausível que merecesse que eu lhe dedicasse pensamento, quanto mais que a considerasse seriamente. Edward não era um robô experimental programado para fazer caretas assustadoras a raparigas de Phoenix quando estas se aproximavam dele. Edward não era um anarquista fanático que julgava que polícias e respectivas famílias deviam morrer. Edward não acreditava ser possível criar buracos no meu crânio olhando para ele, e aprender assim mais sobre o cérebro humano para conseguir melhores notas a Biologia.
Nada disso me dizia qual o problema dele era, mas decidi que de momento, não tinha os meios para fazer progressos nessa questão. E ele também não sucedera em livrar-se de Biologia. Desenhei uma setinha apontada a "Qual é o PROBLEMA do Edward?", e na outra extremidade da seta, escrevi "Discutir o assunto com o professor de Bio, requisitar mudança de parceiro." Se Edward encontrara todas as outras secções de ciências cheias, eu decerto me depararia com o mesmo, mas isso não significava que tinha de me sentar ali mesmo, a seu lado.
E se "Ele olhou para mim assustadoramente" não convencesse o professor, eu podia em vez disso afirmar que era nova, não conhecia todos os procedimentos, e preferia ter um parceiro de mesa que estivesse disposto a desperdiçar tempo a explicar-me coisas como o formato dos relatórios de experiências. Para que não fosse necessário maçar o professor com demasiadas questões, claro.
Avancei. "Falar com Jessica acerca de trig," escrevi. "Falar com professora de EF sobre como eu provavelmente tenho um defeito no ouvido interno e isso é tãaoo uma desculpa médica fazer insinuações vagas sobre processos ou algo assim, se eu cair e partir a cabeça e IMPLORAR "Esquecer-me" muito do meu uniforme, e encontrar alguma tarefa não-desportiva pela qual a treinadora é responsável e oferecer ajuda com ela para compensar. Limpar equipamento de ginásio ou tratar de documentação, ou algo assim? Ou inventar alternativas menos perigosas?"
"Não anotar os meus pensamentos em blocos em com a Jessica por perto, a não ser que se tratem de notas para as aulas. Falar com ela apenas sobre assuntos não-privados."
E Mike…aí estava uma complicação. Não havia nada de claramente errado com Mike; eu não podia muito bem ir até ele e dizer-lhe "Não fazes o meu tipo porque és demasiado giro, e não me fazes temer pela minha vida.". As minhas razões para preferir dissuadi-lo eram inteiramente minhas. Eu ainda não principiara a arranhar a superfície daquilo que pretendia de encontros ou romance, ou o que quer que fosse nesse departamento. E parecia-me arrasador testá-lo num objecto de experiência não-informado, tanto para mim como para toda a gente envolvida.
Nunca me vira obrigada a confrontar a questão de como empatar, porque em Phoenix eu não tivera ninguém como Mike a agir como um cachorrinho para comigo. Juntar-me com alguém imediatamente após a minha mudança também me parecia uma falta de timing única, tendo em conta que ainda me estava a habituar a tudo em meu redor, e o meu julgamento podia estar a falhar. E eu ignorava o porquê de Mike estar interessado – na realidade, eu estava somente a deitar-me a adivinhar que ele estava interessado para começo de conversa, mas parecia-me uma boa aposta – pelo que não havia nenhum traço de personalidade que eu podia atenuar para o fazer perder esse interesse. Ele ainda não dissera nada explícito, no entanto, e assim sendo, resolvi ser seguro limitar-me a esperar e ver se alguma estratégia surgiria. "Espera e tenta não o encorajar", escrevi.
Fiz o meu trabalho de casa – noutros blocos de notas – durante o resto da tarde. A desvantagem de me iniciar numa nova escola em Janeiro era que eu não tinha o luxo de começar devagar. Consegui deitar-me a uma hora razoável de qualquer dos modos, mas embora não estivesse a chover naquela noite, estava ventoso, e eu revirei-me e rebolei na cama por algum tempo antes de finalmente adormecer.